segunda-feira, 10 de abril de 2017

Semideuses


                                                 foto: Yan Chaparro



Dia dez de abril de dois mil e dezessete, o sol já quase em cima do céu. O beija flor sentado num galho espinhoso de uma paineira florida faz por alguns milésimos de segundos seu olhar passear para debaixo de si e para o seus lados cheios de outras coisas diferentes de paineiras. Ele olha para baixo e avista centenas de carros passando valentemente e corajosamente pela rua que ao lado tinha um córrego, mas agora o córrego é só motivo para reuniões após a chuva. O beija flor fita calmamente todos que passam por debaixo dele. Os carros não podem voar. Dentro de cada lata possante e poderosa ele avista semideuses, todos correndo para algum lugar importante, sendo importantes, inflando o peito amargo com sua importância. O beija flor se indaga: esses são os todos os dias. Importantes que de tão importantes para dormir se desmancham no silêncio e com ironia um remédio faz eles não ouvir. Tudo parece envolta muito importante para o beija-flor. Os prédios, os carros, o asfalto, o córrego quase-morto, a fumaça, as casas, os celulares e um som misterioso que com a vibração do ar faz sentido. O beija-flor fica entediado, se sente tão pequeno, tão como uma poeira no infinito. O beija flor em não mais ser beija-flor. Quer um terno, um vestido, um carro e contas do final do mês. Ele quer ser um cidadão e se alimentar de coisas estranhas, muitas vezes, venenosas. Quer representar alguém, quer pertencer a alguma instituição. Ele quer acreditar em deus, ele quer ser um semideus, ele quer parar de voar.



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