foto: Yan Chaparro
Dia
dez de abril de dois mil e dezessete, o sol já quase em cima do céu. O beija
flor sentado num galho espinhoso de uma paineira florida faz por alguns
milésimos de segundos seu olhar passear para debaixo de si e para o seus lados
cheios de outras coisas diferentes de paineiras. Ele olha para baixo e avista
centenas de carros passando valentemente e corajosamente pela rua que ao lado
tinha um córrego, mas agora o córrego é só motivo para reuniões após a chuva. O
beija flor fita calmamente todos que passam por debaixo dele. Os carros não
podem voar. Dentro de cada lata possante e poderosa ele avista semideuses,
todos correndo para algum lugar importante, sendo importantes, inflando o peito
amargo com sua importância. O beija flor se indaga: esses são os todos os dias.
Importantes que de tão importantes para dormir se desmancham no silêncio e com
ironia um remédio faz eles não ouvir. Tudo parece envolta muito importante para
o beija-flor. Os prédios, os carros, o asfalto, o córrego quase-morto, a
fumaça, as casas, os celulares e um som misterioso que com a vibração do ar faz
sentido. O beija-flor fica entediado, se sente tão pequeno, tão como uma poeira
no infinito. O beija flor em não mais ser beija-flor. Quer um terno, um
vestido, um carro e contas do final do mês. Ele quer ser um cidadão e se
alimentar de coisas estranhas, muitas vezes, venenosas. Quer representar
alguém, quer pertencer a alguma instituição. Ele quer acreditar em deus, ele
quer ser um semideus, ele quer parar de voar.