O “ambiente” e a
possibilidade ambiental.
* texto Apresentado
no Laboratório Sistemas Produtivos e Inovativos em Desenvolvimento Local.
Para iniciar a
apresentação sobre o tema percepção ambiental em um laboratório que traz um
campo complexo de saberes, instante onde encontramos pessoas de variadas
posições teóricas que buscam se organizar no sentido de um entendimento amplo
da realidade configurada pelo tema de fundo do desenvolvimento local. Inicio a
reflexão com três perguntas:
O que é afinal o ambiente?
Se é afinal, ou é uma questão aberta, como um sistema aberto de posições e
confecções de saberes?
Como se constrói a noção
de ambiente no sentido do sujeito e do coletivo contemporâneo da sociedade
vigente e reconhecida como ocidental?
Como podemos pensar e
iniciar uma proposta ampla, complexa e sensível em relação ao fenômeno descrito
e conhecido como ambiente?
Estas três perguntas irão
entrelaçar uma reflexão organizada para ser refletida em grupo no laboratório e
seu tempo presente, tempo que podemos emprestar do filosofo Deleuze a noção de
rizoma para pensar a realidade, quando o tempo não se organiza de forma linear,
mas rizomaticamente, onde no presente encontramos o passado e o futuro entre
movimentos de tensões constantes, ou mesmo, quando iniciamos a pensar a
desconstrução de dicotomias que permeiam as construções de realidade,
entendendo que o ponto de vista muda o objeto, mas o objeto também muda o ponto
de vista. Quando a realidade sempre supera a ficção.
Será que a noção de
ambiente reproduzida na sociedade que vivemos é uma ficção? Pois, sabemos que
esta noção de ambiente vivida hoje é construída no nascimento do positivismo e
fundamenta pela organização social e econômica do capitalismo.
O sociólogo da ciência
Bruno Latour lembra que o capitalismo permite hoje duas coisas, a exploração do
homem em relação a natureza, e a exploração do homem em relação ao próprio
homem. O que consolida que a possibilidade de um ambiente que se organiza de
forma coletiva para um bem comum e sustentável esta longe de ser visto.
O mesmo Latour em seu
livro Jamais Fomos Modernos, traz a átona importantes reflexões em relação ao
problema da dicotomia que organiza e reproduz construções de realidades
cotidianas, micro e macro. Como a noção dicotômica entre Natureza e Cultura.
Latour assenta seus estudos na produção reflexiva sobre as associações entre
humanos e não-humanos, sobre as produções dos híbridos, e chega a reconhecer
que as sociedades modernas produziram uma própria natureza, a tecnologia.
Quando as organizações de realidade se desenvolvem pelas associações entre
humanos e não-humanos e a produção de híbridos, e reconhece que jamais fomos
modernos porque o grande projeto da modernidade é a formação da realidade
movida pela dicotomias, mas esse projeto nunca triunfou, pois os humanos sempre
produziram híbridos. Não é atoa que vemos um montado de objetos não-humanos inventadas
com sentidos humanos. A própria burocracia, os sistemas computacionais, os
alimentos modificados geneticamente, as vacinas e os automóveis se mostram como
associações entre humanos e não-humanos que produzem híbridos.
A natureza como sentido de
plantas, outros animais, agua de uma nascente e o próprio ar que respiramos. Se
tornam conhecimentos obscuros e afastados da condição humana, como uma floresta
cheia de fantasmas. O Humano (cultura) de um lado e natureza de outro. O
pantanal, o cerrado, a mata atlântica, a floresta amazônica, ou mesmo hoje o
quase impossível jardim e a arvore na frente de casa, se mostra hoje como
fenômenos não-humanos caracterizados com a ausência de conhecimento do próprio
humano, ou mesmo o próprio corpo, que para o humano é um mistério que só pode
ser desvendado como uma maquina por especialistas e academias de musculação, e
não como pensamento, como um pensamento autônomo de si próprio.
O antropólogo Viveiros de
Castro constrói uma posição teórica dentro da antropologia denominada
perspectivismo, que entende que a sociedade ocidental organiza as formas de
pensar a realidade a partir do ponto de vista, enquanto os povos ameríndios
organizam as formas de pensar a partir do objeto, ou mesmo, o objeto muda o
ponto de vista, e não ao contrario, reconhecendo que o principio de pensar dos
povos ameríndios equivale a composição fenomenológica de construção de
conhecimento e epistemologias, suas ciências. E com este esforço que parte de
pesquisas etnológicas, entende que o ambiente, ou o que se pensa como ambiente
não é e nunca foi natural, ele é antes de tudo social, quando entende o imenso
conhecimento construído pelas sociedade ameríndias com a natureza.
Como
lembra a antropóloga Manuela Carneiro da Cunha em seu livro - Cultura com Aspas
(2009): “Essas sociedades tem uma ideologia de exploração limitada dos recursos
naturais, em que os seres humanos são mantenedores do equilíbrio do universo,
que inclui tanto a natureza como a sobrenatureza (p.288)
Mas, se o ambiente não é
uma estrutura natural, mesmo que muitas vezes seja naturalizado, então o
ambiente é uma construção social, ou mesmo uma organização de saberes e
fazeres. Isso? Neste momento chega-se a questão da percepção ambiental, pois é
a partir de como se percebe e depois se compreende o ambiente, que este
ambiente é construído como tal.
O filosofo Maurice
Merleau-Ponty em seus livros, Fenomenologia da Percepção e O Olho e o Espirito,
traz para o campo de reflexão o conceito ser-mundo. Conceito que podemos ver no
complexo e denso esforço teórico de Enrique Leff.
Conceito que amplia no
sentido racional e sensível a concepção de ambiente, pois se o humano tem como
condição de existência o fenômeno ser-mundo, o humano nunca esta distante do
ambiente, senão isso seria um sintoma esquizoide, já defendido por Deleuze,
pois o próprio conceito ser-mundo pode ser entendido como o movimento concreto
de construção e produção de ambiente. E instala o humano como um ser condenado
a viver coletivamente e no mundo, entendendo coletividade como as associações
entre humanos e não-humanos e entre humanos e humanos.
Neste sentido o humano entende
e faz o que é ambiente antes pelo que ele perceber e compreende como ambiente,
movimento que passa por estreitos da sensibilização racional, o que pode ser
organizado por uma educação que esteja atenta ao esforço para questionar a
dicotomia natureza e cultura. Pois, o cuidado ambiental pode ser orientado
quando a noção de ambiente pode ser compreendida que o ambiente não é somente
externo ao humano, mas também interno. Sabendo que o interno não é tão interno
e o externo não é tão externo. Momento onde a percepção ambiental joga com
logicas racionais e imaginarias.
O hífen que marca o
movimento entre o ser e o mundo se torna um fenômeno aberto e complexo, pois é
justamente na organização deste entre, enfrentado como um caminho construído
onde se organiza as percepções, as concepções, as compreensões, os saberes e os
fazeres ambientais.
Yan Leite Chaparro
Campo Grande, MS 03/05/2016