quinta-feira, 12 de maio de 2016

De Perto (micro-conto - 2016).




De perto.



* micro-conto que esta no livreto A Espessura do Tempo em Cada Passo. (2016)



Como vai meu amigo, recebi seus relatos do lugar que descreverá anteriormente. Me parece que este lugar, que você entende que não esta em lugar algum, se apresenta como muitos dos lugares que já percorremos. Senti um aperto no peito ao ler seus relatos. Os vultos dos quais fala sugeri num primeiro instante a imagem de Narciso, mas ainda não estou certo disso, as vezes me pego pensando que estes vultos estão configurados como uma organização anterior a estrutura Narcísica. Você me fez lembrar de um autor que talvez, um dia, quem sabe, pretende escrever um livro chamado Anti-Narciso. Lembrei desta cortante e precisa imagem do Anti-Narciso, porque me parece um ponto central que precisa ser levantado como questionamento para a realidade deste lugar do qual você relata. Quando é possível observar que este lugar encontra descompassos e cisões que não permite organizar o que o nosso amigo Jacob Levi Moreno nos lembrava, a organização do Eu – Tu – Mundo. Uma critica como ação de descobrir os mecanismos de repetição, a perversidade que compõe uma melancolia sem fim. De perto e de longe, você relata uma angustia real composta pela naturalização de fantasias que confina qualquer tentativa de transcendência, não a transcendência metafisica, mística, ou como muitos ultimamente dizem pós-alguma-coisa. Falo da transcendência concreta do qual discutimos já faz um bom tempo. Da transcendência cotidiana, dos pequenos e grandes embates, das silenciosas e racionais revoluções. A revolução profunda. Revoluções como construção de conhecimentos e ações. E não das invenções que criam pássaros sem asas, ou mesmo, um amontoado de devaneios que não cria, mas sim, constroem fugas e descompassos do real. Como desviando os olhos da morte do Outro. O que você relata me faz sentir a dor de olhar a historia de um lugar e perceber o tão amortecido ele se encontra por conta da exploração que me faz ficar sem respirar, quando as imagens que você me relata, estanca minhas narinas do sangue que foi e que é derramado todos os dias para que os mesmos reis possam gozar do poder de dominação, poder que você bem relata que se constroem historicamente no presente, nutrido pelas fantasias e imaginários que movem este lugar, que permite que os reis debochem ironicamente da condição amortecida deste lugar.



Yan Leite Chaparro
Campo Grande, MS. 2016

terça-feira, 10 de maio de 2016

O "ambiente" e a possibilidade ambiental.









O “ambiente” e a possibilidade ambiental.




   * texto Apresentado no Laboratório Sistemas Produtivos e Inovativos em Desenvolvimento Local.




Para iniciar a apresentação sobre o tema percepção ambiental em um laboratório que traz um campo complexo de saberes, instante onde encontramos pessoas de variadas posições teóricas que buscam se organizar no sentido de um entendimento amplo da realidade configurada pelo tema de fundo do desenvolvimento local. Inicio a reflexão com três perguntas:

O que é afinal o ambiente? Se é afinal, ou é uma questão aberta, como um sistema aberto de posições e confecções de saberes?

Como se constrói a noção de ambiente no sentido do sujeito e do coletivo contemporâneo da sociedade vigente e reconhecida como ocidental?

Como podemos pensar e iniciar uma proposta ampla, complexa e sensível em relação ao fenômeno descrito e conhecido como ambiente?


Estas três perguntas irão entrelaçar uma reflexão organizada para ser refletida em grupo no laboratório e seu tempo presente, tempo que podemos emprestar do filosofo Deleuze a noção de rizoma para pensar a realidade, quando o tempo não se organiza de forma linear, mas rizomaticamente, onde no presente encontramos o passado e o futuro entre movimentos de tensões constantes, ou mesmo, quando iniciamos a pensar a desconstrução de dicotomias que permeiam as construções de realidade, entendendo que o ponto de vista muda o objeto, mas o objeto também muda o ponto de vista. Quando a realidade sempre supera a ficção.

Será que a noção de ambiente reproduzida na sociedade que vivemos é uma ficção? Pois, sabemos que esta noção de ambiente vivida hoje é construída no nascimento do positivismo e fundamenta pela organização social e econômica do capitalismo.

O sociólogo da ciência Bruno Latour lembra que o capitalismo permite hoje duas coisas, a exploração do homem em relação a natureza, e a exploração do homem em relação ao próprio homem. O que consolida que a possibilidade de um ambiente que se organiza de forma coletiva para um bem comum e sustentável esta longe de ser visto.

O mesmo Latour em seu livro Jamais Fomos Modernos, traz a átona importantes reflexões em relação ao problema da dicotomia que organiza e reproduz construções de realidades cotidianas, micro e macro. Como a noção dicotômica entre Natureza e Cultura. Latour assenta seus estudos na produção reflexiva sobre as associações entre humanos e não-humanos, sobre as produções dos híbridos, e chega a reconhecer que as sociedades modernas produziram uma própria natureza, a tecnologia. Quando as organizações de realidade se desenvolvem pelas associações entre humanos e não-humanos e a produção de híbridos, e reconhece que jamais fomos modernos porque o grande projeto da modernidade é a formação da realidade movida pela dicotomias, mas esse projeto nunca triunfou, pois os humanos sempre produziram híbridos. Não é atoa que vemos um montado de objetos não-humanos inventadas com sentidos humanos. A própria burocracia, os sistemas computacionais, os alimentos modificados geneticamente, as vacinas e os automóveis se mostram como associações entre humanos e não-humanos que produzem híbridos.

A natureza como sentido de plantas, outros animais, agua de uma nascente e o próprio ar que respiramos. Se tornam conhecimentos obscuros e afastados da condição humana, como uma floresta cheia de fantasmas. O Humano (cultura) de um lado e natureza de outro. O pantanal, o cerrado, a mata atlântica, a floresta amazônica, ou mesmo hoje o quase impossível jardim e a arvore na frente de casa, se mostra hoje como fenômenos não-humanos caracterizados com a ausência de conhecimento do próprio humano, ou mesmo o próprio corpo, que para o humano é um mistério que só pode ser desvendado como uma maquina por especialistas e academias de musculação, e não como pensamento, como um pensamento autônomo de si próprio.

O antropólogo Viveiros de Castro constrói uma posição teórica dentro da antropologia denominada perspectivismo, que entende que a sociedade ocidental organiza as formas de pensar a realidade a partir do ponto de vista, enquanto os povos ameríndios organizam as formas de pensar a partir do objeto, ou mesmo, o objeto muda o ponto de vista, e não ao contrario, reconhecendo que o principio de pensar dos povos ameríndios equivale a composição fenomenológica de construção de conhecimento e epistemologias, suas ciências. E com este esforço que parte de pesquisas etnológicas, entende que o ambiente, ou o que se pensa como ambiente não é e nunca foi natural, ele é antes de tudo social, quando entende o imenso conhecimento construído pelas sociedade ameríndias com a natureza.

Como lembra a antropóloga Manuela Carneiro da Cunha em seu livro - Cultura com Aspas (2009): “Essas sociedades tem uma ideologia de exploração limitada dos recursos naturais, em que os seres humanos são mantenedores do equilíbrio do universo, que inclui tanto a natureza como a sobrenatureza (p.288)

Mas, se o ambiente não é uma estrutura natural, mesmo que muitas vezes seja naturalizado, então o ambiente é uma construção social, ou mesmo uma organização de saberes e fazeres. Isso? Neste momento chega-se a questão da percepção ambiental, pois é a partir de como se percebe e depois se compreende o ambiente, que este ambiente é construído como tal.

O filosofo Maurice Merleau-Ponty em seus livros, Fenomenologia da Percepção e O Olho e o Espirito, traz para o campo de reflexão o conceito ser-mundo. Conceito que podemos ver no complexo e denso esforço teórico de Enrique Leff.

Conceito que amplia no sentido racional e sensível a concepção de ambiente, pois se o humano tem como condição de existência o fenômeno ser-mundo, o humano nunca esta distante do ambiente, senão isso seria um sintoma esquizoide, já defendido por Deleuze, pois o próprio conceito ser-mundo pode ser entendido como o movimento concreto de construção e produção de ambiente. E instala o humano como um ser condenado a viver coletivamente e no mundo, entendendo coletividade como as associações entre humanos e não-humanos e entre humanos e humanos.

Neste sentido o humano entende e faz o que é ambiente antes pelo que ele perceber e compreende como ambiente, movimento que passa por estreitos da sensibilização racional, o que pode ser organizado por uma educação que esteja atenta ao esforço para questionar a dicotomia natureza e cultura. Pois, o cuidado ambiental pode ser orientado quando a noção de ambiente pode ser compreendida que o ambiente não é somente externo ao humano, mas também interno. Sabendo que o interno não é tão interno e o externo não é tão externo. Momento onde a percepção ambiental joga com logicas racionais e imaginarias.

O hífen que marca o movimento entre o ser e o mundo se torna um fenômeno aberto e complexo, pois é justamente na organização deste entre, enfrentado como um caminho construído onde se organiza as percepções, as concepções, as compreensões, os saberes e os fazeres ambientais.






Yan Leite Chaparro
Campo Grande, MS 03/05/2016


Mesa-redonda - Ñande Jaguata: saberes indígenas, psicologia e autonomia



A escuta e a alteridade como primeira proposta de inversão.


          *texto apresentado na mesa-redonda: Ñande Jaguata: saberes indígenas, psicologia e autonomia. No III Seminário Sobre as Questões Indígenas.



      Boa noite,

     Primeiramente gostaria de saber quais são os campos de saberes e cursos das pessoas que estão na plateia, sei que tem pessoas do curso de Psicologia, mas quais as outras áreas de saberes que estão aqui?

     Assim, minha fala irá transitar aos ouvidos de alguns como algo interessante, instigante e curioso, mas para alguns, poderá soar com ares de incomodo e estranhamento. Mas, acredito que este é o cerne do debate cientifico, ou mesmo, o movimento de alteridade no campo científico.
     Quero agradecer o convite para estar nessa mesa, junto com os professores Joaquim e Eliezer, que ultimamente vem me ensinando muito sobre muitas coisas. Sobre a vida, sobre a minha condição como pessoa, psicólogo e pesquisador.
Como o convite veio com o objetivo que eu fale um pouco da minha experiência e meus estudos no campo da questão das sociedades ameríndias, que se iniciou em 2009 e acredito que deve ter seu termino no meu ultimo ato de respirar. Sendo assim, vou parafrasear um professora que ao participar da banca de mestrado de um Guarani, disse que estava se sentindo uma formiga feliz, e é desta forma que encaro e vivo meu trabalho. Como uma formiga feliz.
Neste anos ouvi e ouço muitas coisas em relação a questão dos povos ameríndios, mas entre estas coisas apreendi algo especial e que abre a minha fala neste mesa. Um dia um Guarani me disse que se sentia muitas vezes como um objeto de estudo aos olhares e as palavras de muitos. E isso soou como um eco perceptível fundamental que amplia cada vez mais o meu olhar, o meu ouvir e o meu pensar, ou melhor, o meu caminhar junto aos povos ameríndios.
 Ninguém é objeto de estudo de ninguém, todos somos sujeitos em estado de vida, dentro de uma complexa e sensível organização viva. Que podemos chamar de alteridade radical. Tanto que no trabalho de pesquisa, o pesquisador se torna pesquisado e o pesquisado se torna pesquisador. Como um constante jogo de espelhos, que bem afinados lembra o som de um acordeom e um violão de sete cordas, que improvisando os dois chegam a um belo produto final, a musica.
Ñande Jaguata, uma frase em Guarani que quer dizer Nós Caminhamos. Frase que explicita e deixa bem claro aos ouvidos atentos de quem se permite ouvir, o que reflito sobre o posicionamento da psicologia quando move suas reflexões e a práticas com os povos ameríndios. Neste sentido as palavras junto, com e ao lado, soam como um movimento ético politico, precisamente sensível e arduamente organizado entre o saber e o fazer.
     Caminhar com o Outro, junto ao Outro e ao lado do Outro, se torna o movimento que organiza a condição humana e as produções de saberes e fazeres, que ao meu ver, se move como sentido de inversão da própria psicologia. Mas o que é esta inversão? Muitos devem esta se perguntando.
     A inversão pode ser entendida como um movimento teórico e prático que hoje se desenvolve em muitos campos de saberes, quando se torna necessário rever os cânones e as logicas teóricas que inventa uma ciência, ou mesmo que inventa noções logicas como realidade.
     Quando a ciência reconhece no reflexo do espelho, a sua imagem e a imagem de infinitas Outras ciências, e a partir disso, se vê obrigada a descontruir seus sentidos de onipotência e percebe que ela não esta sozinha no mundo. Existe muitas outras ciências, tão complexas e densamente rebuscadas como ela, com suas próprias epistemologias e cosmologias construída historicamente e mais antigas que a própria ciência.
Pois, quando um dia me perguntaram qual é o mito de criação da nossa sociedade? Respondi que é o mito do capitalismo, que tem como pai celestial o positivismo. Mas porque? Porque é deste mito que muitas ciências ocidentais, constrói e inventa a realidade. O que permite entender que nossa sociedade tecnológica, cientifica e capitalista, possui também uma cosmologia. Uma ciência construída a partir de interações e instabilidades da organização social de quem ela mesma é tanto filha, como pai e mãe.
Há três anos atrás fui convidado para participar de uma mesa, e no decorrer da minha fala, defendi que a psicologia tem muitas vezes um papel colonizador quando se depara com os povos ameríndios. Fala que me custou ouvir algumas educadas ofensas. Mas, como as vezes são essas ofensas, que me ativa e me potencializa, a eu me debruçar cada vez mais no meu trabalho. Expresso a necessidade de pensar e construir uma psicologia para além da psicologia. Uma psicologia que precisa descolonizar o que ela inventa como sendo o Outro.
Movimento de esforço que reconheço hoje: nos campos de saberes interdisciplinares, na antropologia, da educação intercultural, na literatura latino-americana, nas reações dos saberes e fazeres ecológicos e em trabalhos árduos que buscam descontruir a naturalização de muitos sentidos da sociedade, como as noções de desenvolvimento, progresso, ordem e riqueza.
     Sempre me pergunto: até que ponto o que eu escrevo é uma invenção, ou uma ficção do Outro, ou é uma possibilidade de reflexão dialógica com o Outro, um espaço como uma terceira via, uma possibilidade de construir saberes e fazeres com o Outro? Acredito que esta é uma pergunta que não tem presa para ser respondida, pois ela me nutri e me organiza.
     Alguém neste momento deve estar se perguntando: quando ele vai falar sobre alguma possibilidade prática de campo para a psicologia com os povos ameríndios? Então, respondo, sem ainda ter uma resposta, que a primeira reflexão, ou o primeiro movimento, que pode ser erguido é a própria Escuta. E outra pessoa deve ter se perguntado agora: mas esse negocio de Escuta a gente já apreende no curso de psicologia? Então pergunto: Como vocês escutam? Como vocês estão escutando o Outro?
     Escutar exige o esforço intelectual e sensível da alteridade, do respeito e do convívio com o Outro. Dificilmente escutamos o Outro quando temos muitas e muitas coisas esfumaçando nossos olhos, ou nossas mentes. Se torna necessário apreender com o Outro, tirar os óculos borrados dos nossos rostos e se deparar com o rosto do Outro, encarar de forma realista que existe o Outro diferente do que você entende como realidade, sabendo, que a realidade é muitas vezes construída por canais imaginários.
     Por conta da minha experiência de campo, de reflexões, de construção de saberes e fazeres, de tristezas, de alegrias e principalmente de me esforçar para cotidianamente ampliar meu campo de visão, e saber que o trabalho é algo construído continuamente. Trago a reflexão da Escuta como possibilidade de estar com, ao lado e junto com o Outro. E buscar refletir sobre os saberes e os fazeres, no sentido de tomar cuidado quando se encara a psicologia como um saber e um fazer que atravessa forçosamente outros saberes com logicas que inverte e questiona muitas vezes o que a psicologia pensa sobre as coisas humanas.
     Por isso, ultimamente algumas das minhas reflexões sobre a psicologia e seu trabalho com as sociedades ameríndias, estão atreladas na pergunta: até que ponto a psicologia busca nos territórios ameríndios somente problemas, e desenvolve saberes e fazeres que constrói problemas embasados pelo discurso psicológico?
     Pergunta que me faz inverter um pouco este movimento, que ao invés de procurar problema, pode-se erguer, ativar e potencializar soluções que já existem, que existem pelo próprio território, pelo conhecimento, pela ciência e pela cosmologia existente nesses territórios. Pela grande riqueza de saberes e fazeres existentes nesses territórios.
     Penso que a psicologia deve ser uma aliada e pensar a própria psicologia no sentido da autonomia das sociedades ameríndias. De ouvir, observar, respeitar, apreender e pensar junto com as sociedade ameríndias. No inicio desse ano ouvi a fala de um Guarani em uma evento internacional de saúde coletiva, ele disse: que a sociedade envolvente, a sociedade ocidental precisa antes de tudo entender que é ela precisa apreender com as sociedades ameríndias.





Yan Leite Chaparro
Campo Grande, MS. 22 de abril de 2016
Fala apresentada na faculdade Unigran Capital.